
Compra e venda de imóvel: Tudo que você precisa saber para evitar dores de cabeça
A compra e venda de imóvel não é como comprar meia dúzia de pães fresquinhos na padaria. É uma decisão importante, muitas vezes um grande marco na vida – seja a casa dos sonhos, a sede de um novo negócio ou um investimento para garantir o futuro. Mas essa decisão também traz preocupações e incertezas que podem transformar a realização de um sonho em um verdadeiro pesadelo.
Quem nunca ouviu falar de alguém que se arrependeu de um negócio malfeito? Histórias de contratos anulados, dívidas inesperadas, brigas familiares… Situações que acabam virando verdadeiros dramas porque faltou informação e orientação adequada.
Por isso, eu preparei este guia: para que você, que está pensando em comprar ou vender um imóvel, entenda todos os detalhes, desde o básico até o que pode ter de mais complexo. Tudo em uma linguagem clara e acessível, para que você não caia em armadilhas e faça o seu negócio de forma segura e tranquila.
Um negócio que parece simples, mas esconde muitas armadilhas
Muita gente imagina que a compra e venda de um imóvel se resume a assinar um contrato e pagar o preço acertado. Mas, na prática, esse é um negócio cheio de nuances que, se ignoradas, podem trazer consequências muito sérias.
Imagine só:
- Você compra um imóvel e descobre depois que o vendedor não tinha autorização do cônjuge para vender. O negócio pode ser anulado!
- Você paga parte do valor em cheque e depois descobre que o cheque não tinha fundo. Vai precisar entrar com ação judicial para cobrar!
- Você compra um imóvel em nome do seu filho menor, mas não tem alvará judicial ou prova da origem do dinheiro. Isso pode gerar cobrança de imposto e até acusação de fraude.
- Você compra um apartamento na planta e só depois descobre que a incorporação não estava registrada. Esse empreendimento não tem proteção e nem segurança jurídica.
Esses são apenas alguns exemplos de problemas reais que surgem quando as pessoas não conhecem bem os detalhes legais da compra e venda.
Além disso, muitas vezes a gente esquece que esse é um passo que envolve não só dinheiro, mas sonhos, expectativas e, claro, muito esforço.
Comprar um imóvel, por exemplo, geralmente envolve economias de anos. Por isso, não dá para deixar passar nenhum detalhe.
As consequências que ninguém quer enfrentar
Quando algo dá errado em uma compra e venda, os prejuízos podem ser enormes – não só no bolso, mas também emocionais. Vou te contar alguns dos principais riscos:
- Perda do imóvel – Se a venda for considerada nula (por exemplo, por falta de anuência do cônjuge), o comprador pode ter que devolver o imóvel e ainda ficar no prejuízo.
- Ações judiciais demoradas – são só um fardo financeiro, elas desgastam emocionalmente e podem se arrastar por anos, afetando toda a sua vida. E enquanto isso, o imóvel fica “preso”, você não pode vender de novo.
- Cobrança de impostos – Quando a origem do dinheiro não está clara ou a compra foi feita em nome de um menor sem pagar o imposto de transmissão, o fisco pode cobrar o imposto com juros e multas.
- Prejuízos financeiros – Além do valor do imóvel, você pode perder em custas judiciais, honorários advocatícios e até em indenizações.
- Conflitos familiares – Em casos de união estável ou casamentos sem autorização do cônjuge/companheiro, as brigas podem ficar feias.
Em resumo: um erro na hora de comprar ou vender um imóvel pode custar muito caro, e não só financeiramente. Por isso, entender cada detalhe é fundamental.
Guia prático para entender e evitar problemas
Agora que já entendemos o tamanho da encrenca que pode surgir, vamos ao que interessa: como fazer tudo certo e evitar dores de cabeça.
Eu organizei as informações em tópicos, para facilitar. Assim você pode usar este guia como referência sempre que precisar.
Elementos essenciais do contrato de compra e venda de imóvel
Todo contrato de compra e venda de imóvel precisa ter três elementos principais:
- Consentimento – o acordo de vontades entre as partes.
- Coisa – o objeto do contrato, ou seja, o imóvel.
- Preço – o valor em dinheiro que o comprador vai pagar.
Vamos entender cada um deles em detalhes
Consentimento na compra e venda de imóvel
É o coração do contrato. As partes precisam estar de acordo e ter capacidade para fechar o negócio.
Mas tem pegadinhas aqui:
Menores de idade
- Os pais ou o tutor devem representar quem tem menos de 16 anos.
- Já quem tem entre 16 e 18 anos precisa ser assistido, ou seja, os pais ou o tutor devem assinar junto.
- Em qualquer desses casos, é necessário justificar a ausência de um dos pais.
- Se o menor estiver vendendo um imóvel, é obrigatório ter alvará judicial.
Pessoas casadas
- Nos regimes de comunhão parcial de bens e comunhão universal, é preciso a assinatura do outro cônjuge.
- Na separação obrigatória (ex.: casamento após os 70 anos), também pode ser exigida a assinatura se o bem foi comprado após o casamento.
- Só no regime de separação convencional de bens (com pacto antenupcial) é que essa autorização não é exigida
Alvará judicial: o que é e quando ele é necessário
Muita gente se assusta quando ouve falar de “alvará judicial” na compra e venda de imóvel, mas a ideia é simples: trata-se de uma autorização dada pelo juiz para que um ato de compra ou venda possa ser feito de forma segura, protegendo especialmente quem está em situação de vulnerabilidade, como menores de idade, pessoas interditadas ou espólios (bens de quem já faleceu e ainda estão sendo inventariados).
Em resumo, o alvará judicial serve para que o juiz verifique se todos os interesses estão sendo respeitados. Por exemplo, a Justiça exige o alvará quando:
✅ Quando o vendedor é menor de idade ou incapaz.
✅ Se o comprador ou vendedor representa um espólio (bens de pessoa falecida).
✅ Ou ainda, quando existe conflito de interesses entre pais e filhos menores.
É o famoso “sinal verde” do juiz, para garantir que ninguém vai sair prejudicado.
Para ilustrar como isso funciona na prática, vou te mostrar uma decisão real:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. ALVARÁ JUDICIAL. COMPRA E VENDA ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE. SUPRIMENTO JUDICIAL DO CONSENTIMENTO DO DESCENDENTE MENOR DE IDADE. DESCABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. NO CASO, ALÉM DE NÃO ESTAREM DEVIDAMENTE ESCLARECIDAS AS RAZÕES PELAS QUAIS OS REQUERENTES PRETENDEM VENDER O IMÓVEL AO DESCENDENTE MAIOR, NÃO É POSSÍVEL VERIFICAR SE O INTERESSE DO FILHO MENOR ESTÁ, OU NÃO, SENDO PRESERVADO, JÁ QUE O IMÓVEL SERIA TRANSFERIDO EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DO OUTRO FILHO, NÃO HAVENDO ELEMENTOS NOS AUTOS QUE DEMONSTREM A CONSERVAÇÃO DA LEGÍTIMA DO INFANTE. POR CONSEGUINTE, OS INTERESSES DO DESCENDENTE MENOR DE IDADE DEVEM SER PRESERVADOS, NÃO HAVENDO NOS AUTOS ELEMENTOS QUE PERMITAM O SUPRIMENTO JUDICIAL DO SEU CONSENTIMENTO. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA.
O que essa decisão significa?
Essa decisão reforça que, em casos de venda de imóvel entre pais e filhos, o juiz precisa ter certeza de que os interesses do filho menor estão sendo respeitados. No caso julgado, a família queria vender o imóvel para um dos filhos, mas o outro filho (menor de idade) ficaria sem nada. Como não havia prova de que isso protegeria o menor, o juiz não autorizou a venda.
Isso mostra que o alvará judicial não é só uma burocracia a mais – é um cuidado essencial para proteger quem não pode se defender sozinho. Sempre que houver menor de idade ou incapaz no meio do negócio, o juiz vai analisar com lupa para evitar injustiças.
Depois de entender como funciona o alvará judicial, é hora de analisar o próprio imóvel: como descrevê-lo corretamente e quais cuidados tomar com suas medidas.
Coisa (o imóvel)
O imóvel precisa estar bem descrito e identificado: matrícula, localização, área, confrontações. Tudo para evitar dúvidas e problemas futuros.
Ah, e tem diferenças importantes aqui também:
Venda ad corpus e ad mensuram
- Ad corpus: a venda considera o imóvel como um todo, mesmo que depois a área real seja diferente. Por exemplo: Imagine que você compra uma casa que o contrato diz ter 200 m². Depois de uma medição técnica, descobre que ela tem apenas 190 m². Como o contrato foi feito ad corpus, isso não muda nada: você comprou a casa “no estado em que se encontra”, e a pequena diferença de área não dá direito a desconto ou rescisão.
- Ad mensuram: a área exata faz parte do contrato. Se a área for menor ou maior do que o indicado, pode haver direito de abatimento do preço ou rescisão. Exemplo prático: Você comprou um terreno que o contrato diz ter 500 m², por R$ 500 mil. Depois de uma nova medição, descobre que o terreno tem só 450 m². Nesse caso, como o contrato foi ad mensuram, você pode exigir um desconto proporcional de 10% (já que a área é 10% menor) ou até mesmo desistir da compra, se não quiser continuar.
Dica importante: Se o contrato não especifica se a venda é ad corpus ou ad mensuram, e a diferença de área for maior que 5% do total, a Justiça costuma entender que foi ad mensuram – e você poderá pedir abatimento ou rescisão.
Preço
Outro ponto fundamental do contrato é o preço – as partes precisam defini-lo de forma clara e inequívoca, sempre em dinheiro. O pagamento pode ser feito em dinheiro, cheque ou nota promissória, mas deve estar bem documentado.
Importante: se a maior parte do pagamento for feita com outro bem (como um carro, por exemplo), a lei considera isso uma permuta, e não uma compra e venda.
E tem mais:
- O preço deve ser real, nunca fictício ou simbólico.
- Se o pagamento não for feito, o contrato com cláusula de condição resolutiva permite que o negócio seja desfeito automaticamente.
Cláusulas especiais que podem aparecer no contrato
Alguns contratos de compra e venda trazem cláusulas especiais que podem mudar tudo. Veja as mais comuns:
- Cláusula suspensiva – A venda só vale se um evento futuro acontecer (ex.: aprovação de financiamento).
- Cláusula resolutiva – A venda é válida desde já, mas pode ser desfeita se algo acontecer (ex.: não pagamento do preço).
- Cláusula de retrovenda – Dá ao vendedor o direito de recomprar o imóvel dentro de um prazo (máximo de 3 anos);
- Preempção e preferência – O comprador se compromete a oferecer o imóvel ao antigo proprietário caso queira vender.
- Obrigação de não alienar – O comprador promete não vender o imóvel até quitar o preço total.
- Compra e venda bipartida – O imóvel é vendido em nua propriedade e usufruto para pessoas diferentes (ex.: o pai vende a nua propriedade para o filho e fica com o usufruto).
Casos especiais que exigem ainda mais cuidado
Além das regras gerais, alguns casos têm exigências específicas que você precisa conhecer:
- Pessoa jurídica – É preciso checar o contrato social, as alterações e a certidão da Junta Comercial ou do Cartório de PJ para ver quem pode assinar.
- Empresas em recuperação ou falência – Precisam de autorização judicial para vender bens.
- Estrangeiros – Empresas estrangeiras só podem vender imóveis se estiverem inscritas no CNPJ.
- União estável – Os efeitos são parecidos com o casamento. Sem contrato de convivência, o regime é comunhão parcial de bens, exigindo anuência do companheiro.
Diferença entre preço e pagamento
Um ponto que confunde muita gente: preço e pagamento não são a mesma coisa!
Preço – É o valor combinado, geralmente em dinheiro
Pagamento – É o ato de entregar esse valor (pode ser dinheiro, cheque, nota promissória).
Se o cheque não tiver fundo, por exemplo, o preço foi fixado, mas o pagamento não foi feito.
E cuidado: o contrato só pode ser desfeito automaticamente se tiver cláusula de resolução expressa. Se não tiver, será necessário entrar com ação judicial.
Doação camuflada: o perigo invisível
Quando o imóvel é comprado em nome de um filho menor, utilizando dinheiro dos pais, muitos esquecem que, do ponto de vista legal, isso pode ser considerado uma doação – e doação sem o pagamento do imposto devido é sonegação fiscal.
Para ilustrar essa situação, veja esta decisão recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
TJ-DF – 7375095120208070001 – Ementa publicada em 26/06/2024
- Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C CANCELAMENTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. DOAÇÃO REVESTIDA SOB A FORMA DE COMPRA E VENDA. NULIDADE. SIMULAÇÃO. OCORRÊNCIA. ART. 167 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO DISSIMULADO OU OCULTO. AUSÊNCIA DE VALIDADE.
“A simulação consiste na celebração de um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que não objetiva o resultado que dele juridicamente se espera, pressupondo para a sua configuração, entre outros elementos, conluio entre as partes e intenção de enganar terceiro ou fraudar a lei. Na simulação, há um desacordo entre a vontade declarada ou manifestada entre as partes e a vontade interna delas. Logo, há uma discrepância entre a vontade e a declaração, entre a essência e a aparência do negócio jurídico, o que corresponde a vício capaz de invalidar o pacto contratual.
O conjunto fático e probatório contido nos autos demonstra que a compra e venda do imóvel litigioso correspondia, na realidade, a uma doação feita à adquirente do bem, com o objetivo de fraudar a legislação de regência, o que caracteriza simulação e justifica a anulação do negócio jurídico.
O Poder Judiciário não pode admitir a manutenção dos efeitos do negócio jurídico dissimulado ou oculto, quando este não é válido na sua forma nem na sua substância, sob pena de violação ao disposto no art. 167 do Código Civil.
Recurso de apelação desprovido. Majoração dos honorários advocatícios fixados no juízo de origem, por força do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.”
O que essa decisão ensina?
Essa decisão evidencia que, quando as partes tentam disfarçar uma doação como compra e venda, para fugir do imposto de doação, a Justiça pode anular o negócio.
No caso julgado, ficou provado que, apesar de o contrato parecer uma compra e venda, o objetivo real era fazer uma doação ao filho, sem pagar o ITCMD – e isso caracteriza simulação. Segundo o Código Civil, negócios simulados são nulos e não podem produzir efeitos.Por isso, o recado é claro:Se você quer comprar um imóvel em nome do seu filho menor, precisa:
✔️ Comprovar a origem do dinheiro (especialmente se vier dos pais).
✔️ Pagar o imposto de transmissão que incide na doação (ITCMD).
✔️ Fazer tudo às claras, evitando a caracterização de simulação.Do contrário, além de ter o contrato anulado, você pode enfrentar cobranças de impostos com multas e até problemas judiciais por fraude.
Compre com consciência e venda com segurança
Como diz o ditado: “O barato sai caro.” Quando se trata de imóveis, a pressa e a falta de informação podem custar muito. Mas, com cuidado e informação, você garante que esse passo tão importante na sua vida – seja a casa própria, um investimento ou a sede de um novo projeto – aconteça de forma segura, transparente e sem dor de cabeça.
Lembre-se: não estamos falando só de dinheiro, mas de sonhos, de esforço e de futuro. Cuide bem desse patrimônio, buscando sempre o respaldo jurídico necessário.
Se ainda ficou alguma dúvida ou se você está passando por uma situação específica, estou à disposição para ajudar. Meu objetivo é que você realize seu sonho imobiliário sem dor de cabeça e com toda segurança que merece.
Contato: WhatsApp (44) 99132-5289.